Capítulo 94
ALICE
Olhei em volta na tentativa de encontrar um sítio menos ruidoso, missão quase impossível para quem está num shopping a dias da grande noite de Natal. Dirigi-me rapidamente até às casas de banho femininas, atendendo a chamada pelo caminho.
- Estou!? - disse num tom alto de forma a ser ouvida do outro lado.
- Alice querida olá! Onde estás? Não te oiço muito bem, está muito barulho! - gritou Melany.
- Sim, eu sei! Estou no Colombo com a Inês, viemos comprar as prendas de Natal. - disse tapando um dos ouvidos com o dedo.
-Ah bom. Olha, tenho novidades em relação àquele nosso assunto.
Não posso acreditar, o meu coração acelera um pouco. Qual será a decisão?
A Inês encosta-se aos lavatórios mexendo no telemóvel enquanto espera por mim, consigo perceber pela sua cara, que a situação com o Enzo, ainda há pouco, mexeu muito com ela.
- E então!? - perguntei um pouco nervosa. - Conseguimos!?
- Conseguimos querida, já estão a tratar de tudo!
Um grito um pouco esganiçado sai de minha boca num impulso deixando toda a casa de banho feminina a olhar para mim. Ups.
- O que foi!? - indagou a Inês um pouco confusa.
- Alice? - chamou-me Melany. - Já sabes o que vais comprar para o Henrique!?
- Acabei mesmo agora de ter uma ideia! Mais logo apareço aí para lhe contar tudo. Não dê a novidade ao Henrique por favor, nem comente com ninguém, gostava que fosse uma surpresa para todos.
- Combinado, aparece na hora em que o Henrique estiver no treino de futebol, assim podemos conversar mais à vontade.
- Sim! Até logo.
Depois de desligar a chamada e sair das casas de banho a Inês perguntou:
- O que aconteceu Alice!?
- Nada de mais, mas já sei o que comprar para o Henrique! Vamos embora.
- Embora!? Mas então não vais comprar a prenda para ele? - ela parece perdida e eu acredito que esteja, mas não posso contar-lhe o que lhe vou oferecer, quero mesmo que seja uma surpresa para todos, incluindo para a minha irmã.
- Vou, mas não é aqui.
- Está bem.
O regresso a casa foi silencioso. Não consigo decifrar o que vai na cabeça da Inês, ela parece pensativa, distante. Não entendo porquê que este tipo de coisas têm de acontecer, logo agora que ela estava tão bem. Lembrando-se ou não do seu passado, a Inês estava feliz e isso é que importa. Não acho justo o que o Enzo fez, não consigo concordar por muito que tente, mas o que está feito está feito e agora só espero que ela consiga superar tudo o que acabou de saber.
- Alice? - chamou-me quebrando o silêncio que parava no Uber.
- Sim?
- Eu... eu peço desculpa... não sei o que se passava comigo na altura, eu... eu não me consigo lembrar, por mais que eu me esforce eu não consigo. Mas...
- Não precisas de...
- Sim preciso! - interrompeu-me ela. - Tudo o que eu te fiz foi muito baixo, mesquinho, nojento até. Não consigo perceber como é que eu fui capaz de fazer todas aquelas coisas... Eu fui horrível para ti, para a minha irmã. E o pior de tudo é que eu não consigo lembrar-me de nada. Desculpa Alice.
As palavras da Inês fazem com que os meus olhos, agora mareados, deixem cair algumas lágrimas. Para mim foi difícil ouvir o Enzo e recordar tudo aquilo que aconteceu, os fingimentos, as loucuras, os dramas sem sentido aparente, mas nada disso se compara ao facto de que ela tem um borrão de tinta preta a cobrir-lhe o passado. Não sei se choro pelas memórias se pelo sofrimento que sei que tudo isto lhe está a causar.
- Eu já te desculpei. Perdoei tudo no dia em que te vi deitada naquela cama de hospital. Eu não te podia perder, se te perdesse as coisas deixavam de fazer sentido para mim. Por muito que as coisas não corressem bem às vezes, tu és minha irmã e eu não suportaria a dor de ficar sem ti.
Enxugamos ambas as lágrimas que nos corriam pelo rosto e demos um sorriso.
Ao chegar ao condomínio o carro do meu pai estava à porta, o que significa que ele está em casa.
- Não é cedo para ele já ter chegado? - perguntou a Inês enquanto saíamos do Uber.
- Sim, acho que sim. - respondi. - Será que aconteceu alguma coisa!?
Não é costume o meu pai chegar cedo a casa, muito menos durante uma tarde de sábado que é quando são mais necessários médicos no hospital.
Adentramos pela grande porta da entrada e não vimos ninguém. A Inês foi até ao escritório, mas ele não estava lá.
- Pai!? - chamei, mas não obtive resposta.
- Talvez tenha saído novamente. - disse a Inês.
- E não levou o carro? - indaguei curiosa. Não faz muito sentido sendo que vivemos em um condomínio e todos os serviços estão fora dele a uma boa distância.
- Pois não sei, mas não vou ficar aqui a gritar por ele! - resmungou a Inês subindo as escadas com as sacas dos presentes na mão.
Dei de ombros e acompanhei-a até ao andar de cima, preciso de ir ao computador de qualquer das formas.
Ao chegarmos ao segundo andar, uns ruídos vindos do quarto do meu pai são percetíveis. Olhei para a minha irmã ao mesmo tempo que ela olhou para mim e franzimos ambas as sobrancelhas.
- Isto são... - iniciou ela.
- Sim, acho que sim. - afirmei com uma expressão de nojo.
- Mas quem será!?
- Ai Inês eu sei lá quem é, nem quero saber!
- Pois, tens razão. - afirmou.
Entramos cada uma para o seu quarto rapidamente. Sinceramente eu não esperava nada que o meu pai estivesse cá em casa com uma mulher. Sempre que penso nisso, lembro-me da Tânia e de como os dois foram dissimulados ao ponto de enganarem ambas as famílias. Mas o melhor é mesmo afastar esses pensamentos e concentrar-me na prenda do Henrique.
Sentei-me na secretaria e abri o portátil. Nunca tinha feito nada disto antes, mas sinto um formigueiro na barriga só de pensar.
Desta vez, sinto que estou a fazer o correto. Por muito que me vá custar, sei que é o melhor para ele. Não estaria a ser uma boa namorada se o prejudica-se por inseguranças minhas, é claro que não vai ser fácil, quase impossível até, mas eu tenho de tentar, tenho de aceitar que este é o nosso destino e se ele assim o quiser ficaremos juntos.
Levantei-me apressadamente da cadeira em direção à casa de banho, às vezes gostava que a minha bexiga fosse normal e não do tamanho de uma ervilha. Abri a porta do quarto na esperança de não me cruzar com o meu pai ou com a mulher que estava com ele no quarto, mas...
- Tu aqui!? - vociferei.