Capítulo 88

HENRIQUE

Já se passaram alguns dias desde que a Alice saiu do hospital, dias esses que têm sido extremamente dolorosos para mim. No dia seguinte ao ataque, que a deixou internada numa cama desconfortável de hospital, eu tive jogo de futebol, jogo esse que acabamos por ganhar, mas não graças a mim. Não conseguia concentrar-me em nada, de todas as vezes que fechava os olhos, a imagem do beijo passava-me pela cabeça e, de seguida, o seu corpo inconsciente deitado na maca, a entrar para a ambulância, assolava-me como se fosse um pesadelo constante e cíclico.

A meio do jogo acabei por ser expulso, quando me apercebi, estava em cima do Filipe e a minha mão já ensanguentada estava cravada no seu rosto. Ouvia os gritos do meu treinador e dos meus amigos, o árbitro apitava insistentemente e os restantes jogadores tentavam retirar-me de cima dele.

- O quê que te deu meu!? - vociferou o treinador arrastando-me para fora do campo. Os seus olhos expressão raiva e descontentamento, mas, sinceramente, não quero saber, aquele gajo mereceu apanhar, mesmo tendo sido um ato inconsciente. - Não tens noção de que acabaste de pôr o teu futuro todo em causa caramba!?

Olhei para ele retirando-me do seu aperto e sentei-me no banco de suplentes.

- Henrique o olheiro de Londres veio ver o jogo e tu fizeste esta merda! - revirei os olhos e encolhi os ombros. - Acabaste de deitar ao lixo a oportunidade que tinhas de ir para lá!

Ele não entende, ninguém entende que o meu futuro já está arruinado. Toda a minha felicidade estava nas mãos dela, da rapariga que me partiu o coração em mil pedaços e ainda o atirou para o caixote do lixo sem qualquer pingo de piedade.

Já nada me importa, sem ela já nada faz sentido, sem ela sou pó, cinzas atiradas ao mar num dia de tempestade.

No final do jogo fomos até um bar festejar a vitória. Não sou capaz de sorrir, nem de falar com ninguém a não ser com a morena de olhos azuis que está atrás do balcão. Quando a vi fez-me lembrar da Alice, mas depois de alguns segundos apercebi-me de que não tinha nada a ver com ela. Esta rapariga é incrivelmente simpática, mas, ao mesmo tempo, demasiado bisbilhoteira. Fez-me perguntas sobre tudo, incluindo sobre o motivo que me fazia estar assim. Contudo, a única resposta que eu lhe dava era:

- Serve-me outro.

A última memória que tenho dessa noite é de estar sentado num puff preto no canto do bar com o António o resto do pessoal do nosso grupo, todos menos o Filipe que acabou por se juntar aos outros gajos da equipa.

O segundo dia não passa de borrões, acordei no quarto do António com uma ressaca descomunal, senta a minha cabeça latejar e a garganta seca. Voltei a adormecer e a acordar com ele aos gritos com a mãe, não devia lá estar, mas não me lembrava de como lá fui parar, portanto, decido levantar-me e lavar a cara para me ir embora. Ao ver-me a tentar sair de sua casa à socapa, o meu melhor amigo chama-me e leva-me até outro bar onde continuamos o que começamos na noite passada.

Por alguns segundos pensei que aquilo que estava a fazer não era o mais correto, mas depois apercebi-me que era a única maneira de não me lembrar dela. Não posso continuar a massacrar-me, continuar neste estado deplorável, prefiro embriagar-me com vodca do que com pensamentos inconstantes sobre a Alice.

O terceiro dia passeio no quarto a recuperar da ressaca das duas últimas noites. Não fui capaz de ir às aulas, não estou minimamente preocupado com isso também. A minha mãe tentou falar comigo sobre Londres, mas não estava com cabeça para alimentar mais discussões, por isso mandei-a embora do meu quarto.

No quarto dia soube que a Alice teve alta do hospital e que já estava em casa. Fiquei mais calmo por saber que tinha melhorado, mas, não sou capaz de lá ir para ver como está. Ainda caio na tentação de ficar sentado na secretária a olhar pela janela, mas nunca a vejo.

No quinto dia decidi voltar às aulas, a Anica fartou-se de me chatear o juízo para a levar e eu também já não aguentava passar mais um dia deitado na cama a relembrar todos os maravilhosos momentos que passei com a minha namorada... ex-namorada.

Preparei-me normalmente, o normal para alguém que está num estado depressivo. Vesti umas calças de ganga escuras e uma sweatshirt preta da Nike. Não me dei ao trabalho de arranjar o cabelo e muito menos de tomar o pequeno almoço. Outubro chegou e com ele trouxe o frio de outono que eu detesto, mas sei que a Alice adora.

As aulas foram normais, apesar de ter de levar com o Filipe durante todo o dia, consegui manter a calma e não lhe partir o focinho pela segunda vez.

Os restantes dias foram semelhantes, a Anica continua a afirmar que estou melhor assim, que agora lhe lembro do antigo Henrique, o seu primo favorito, mas sinceramente não me interessa, estou-me pouco borrifando para o que ela pensa ou deixa de pensar.

Hoje é o décimo dia.

Nunca pensei que estar tanto tempo sem falar com ela me fosse custar tanto. Tenho sonhado com a Alice todas as noites, sonhos estranhos em que estamos bem, como se nada tivesse acontecido entre nós, como se ainda fossemos um casal, mas, quando acordo, deparo-me com a cruel realidade. Realidade essa na qual ela não está presente.

Levantei-me e fui tomar o pequeno almoço. A Anica já está na cozinha sentada na minha cadeira como sempre.

- Bom dia gostoso! -exclama olhando-me de cima abaixo, vestido apenas com uns boxers pretos e justos ao meu corpo. Reviro os olhos ignorando-a e vou até ao frigorífico buscar o pacote de leite. - O quê que vais fazer hoje?

- Nada.

- Ai Henrique que seca! - guincha depois de mastigar a colher de cereais light. - Quero fazer alguma coisa.

- Queres faz, ninguém te impede. - Estou com pouca paciência para aturar os filmes dela sinceramente.

- Mas eu quero fazer alguma coisa contigo parvo!

- Epah Anica não estou com paciência hoje. - afirmei. Peguei na taça de leite com cereais e fui para o quarto.

Ao fechar a porta atrás de mim, dirigi-me até à secretária e liguei o computador. Preciso de me distrair por um bocado, passar pelo menos alguns minutos sem pensar nela. Coloco um episódio de Dark a dar na Netflix, mas sinceramente não consigo concentrar-me na série.

Oiço a porta do meu quarto abrir-se algum tempo depois e olho para trás. Que merda é esta? Em pé mesmo à minha frente está a Anica vestida apenas com uma roupa interior de renda preta e um robe de seda branco.

- Eu disse-te que queria fazer alguma coisa contigo... - a sua mão passeava pelas curvas do seu corpo enquanto desapertava o cinto e abria ainda mais o robe para que eu pudesse ter acesso a cada pedaço de si.

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