Capítulo 82

HENRIQUE

Os dias pareciam passar a correr, a rotina das aulas voltou com força e juntamente com elas vieram também os treinos de futebol. Tenho estado exausto nos últimos dias e, infelizmente, só consigo estar com a Alice na escola.

Ainda não fui capaz de me decidir quanto à proposta de Londres. Ontem o treinador voltou a falar comigo, penso que estivemos uma meia hora dentro dos balneários. O seu discurso baseou-se no quão boa é esta oportunidade para a minha carreira quanto futebolista, que Londres é uma cidade incrível, facto esse que eu já sabia, pois já estive lá três vezes, que eu seria muito burro se desperdiçasse esta proposta e que provavelmente não iria aparecer outra igual.

Sempre que penso neste assunto não consigo por a Alice de parte, desde que a conheci que não sou capaz de me afastar dela, aquela miúda irritante que sempre me ignorou conseguiu deixar-me profundamente apaixonado, por isso, pensar que tenho de a deixar cá e ir para Londres sem ela, pensar que não a vou poder estar com ela, não vou poder beijá-la, abraçá-la, sentir o seu corpo, é algo com que não me consigo conformar e por isso não consigo dar uma resposta.

- Filho? - disse a minha mãe ao abrir a porta do meu quarto. São nove da noite, voltei ainda agora do treino e ainda não jantei, penso que o tabuleiro que ela tem nas mãos seja o meu jantar.

- Obrigada mãe, mas não era preciso trazeres cá, eu podia descer.

- Agora já está! O treinador ligou quando estavas no banho...

- Ligou porquê!? - interrompi.

- É sobre a proposta de Londres Henrique. Tu ainda não lhe respondeste se vais ou não e ele tem um prazo para enviar o email para lá.

- Mas mãe eu...

- Filho ele fartou-se de insistir comigo para te tentar convencer!

- Caramba mas será que ninguém pensa em mim!? Ir para Londres era tudo o que eu mais queria, mas agora as coisas mudaram. A minha vida já não é só o futebol e andar atrás de miúdas mãe. Agora eu tenho-a a ela - disse enquanto espreitava pela janela com a esperança que a Alice estivesse no terraço a pintar, mas não estava. Talvez estas porcarias lamechas só aconteçam mesmo nos filmes ou nos romances que a minha namorada lê.

- Henrique mas tu não podes parar a tua vida e deixar de fazer o que queres e gostas por causa de uma pessoa. Tens de seguir os teus sonhos filho!

- Mas eu não consigo separar-me dela mãe! Mas será que ninguém me entende!?

- Já falaste com ela sobre este assunto? O quê que ela tem a dizer?

Baixei a cabeça e levantei-me da cadeira. Este assunto está a tornar-se insuportável e a única coisa que eu quero é esquecer-me dele nem que seja por algumas horas.

- Ela não sabe Henrique!?

- Ainda não consegui encontrar o momento certo para lhe contar mãe... - gritei revirando os olhos.

- Mas fi...

- Não mãe não há um "mas"! Eu sei perfeitamente o que ela vai dizer, sei que vai achar que é um fardo na minha vida e que não vou para Londres por causa dela. Provavelmente vai dizer que o melhor é acabarmos tudo, que assim eu sigo os meus sonhos e sou feliz! Ela acabou com o palhaço do Tiago por ter vindo para Lisboa mãe, para Lisboa! Sabes quantas horas de viagem são daqui até ao Algarve?... Três horas! Por isso imagina o que vai acontecer se eu aceitar a merda da proposta e ir jogar para outro país!

- Estás a precipitar-te Henrique.

Acenei negativamente com a cabeça e disse:

- Mãe eu tive um dia cansativo, preciso mesmo de ir dormir.

- Não vais jantar!?

- Até amanhã mãe! - exclamei com a mão apontada para a porta de modo a que ela saísse.

ALICE

Acabei ainda há pouco os trabalhos de casa, mas, felizmente, os professores de cá são muito mais benevolentes connosco e não nos sobrecarregam com muitos.

Desde o incidente do jantar com o Mr. Allen a Inês está chateada comigo, parece que voltamos aos velhos tempos em que não nos falávamos e eu era presenteada com olhares sínicos e sorrisos falsos em frente ao pai.

O Vasco tem vindo cá só aos fins de semana, pois ele trabalha como estagiário numa editora, penso que está na parte da contabilidade da empresa ou algo do género. Mas, sempre que ele chega fecham-se no quarto e só saem à hora do lanche ou então do jantar. Pobre rapaz, quase que é proibido de falar comigo.

Eu e o Henrique não temos tido quase tempo nenhum para estarmos juntos, facto que parece deixar a minha irmã muito feliz, para a Inês é uma conquista ter mais sorte que eu em alguma coisa, pelo menos é isso que ela diz. Mas, sempre que eu e o Henrique conseguimos um momento sozinhos aparece a galinha oxigenada para estragar tudo.

- Alice já estás a dormir? - perguntou o meu pai do lado de fora do quarto.

- Não pai, podes entrar.

- Então como correram as aulas hoje? - perguntou sentando-se no final da cama.

- Normais, quer dizer, o costume, o Mr. Allen tem agido um pouco estranho desde que soube que o Vasco namora com a minha gémea...

- Estranho como Alice!?

- Sinto que ele dá as aulas para mim e não para a turma e isso deixa-me desconfortável, principalmente porque tenho de levar com a estupida da Mafalda sempre a dizer que sou a queridinha dos professores e tudo mais...

- Essa Mafalda foi a tal rapariga que gozou contigo por causa do Henrique?

- Não foi por causa do Henrique pai, já te expliquei a história!... - vociferei revirando os olhos.

- Pronto está bem... mas é essa?

- Sim. Mas com ela posso eu bem, o problema é que eu não me sinto mesmo confortável com o professor.

- Eu vou ter uma conversa com esse senhor!

- Pai não! Eu resolvo okay? - exclamei levantando-me da cadeira. Não gosto de problemas e ainda por cima a relação entre eles já não é nada boa, portanto prefiro ser eu a desfazer qualquer tipo de mal entendido que haja aqui.

- Tens a certeza filha?

- Tenho. Agora vai lá deitar-te, não tens uma cirurgia importante amanhã?

- Sim, vou retirar a vesicula a uma rapariga da tua idade.

- Credo, porquê!?

- Pedra na vesicula, é hereditário e infelizmente provoca umas dores horríveis na pessoa. Normalmente acontece com pessoas mais velhas, mas existem sempre exceções e esta menina é uma delas.

- Coitada.

- Sim, mas não te preocupes, é uma cirurgia muito simples e não vai ficar com marcas nenhumas.

- Ainda bem, deve ser horrível ter de ficar com uma cicatriz enorme na barriga.

- Pois, mas com os avanços da nossa incrível medicina isso já não acontece! Bem vou te deixar dormir, até amanhã filha! - exclamou depositando um beijo na minha testa.

Vesti o pijama e deitei-me na cama adormecendo imediatamente.

No dia seguinte acordei com uma dor de cabeça horrível, sinto-me fraca, mas não posso faltar à escola. Hoje é sexta feira e o Henrique tem o primeiro jogo da época amanhã, por isso, já estou a prever um dia em que só o vou ver sentado no banco do condutor e nos intervalos das aulas.

Vesti uns jeans de ganga com uma sweatshirt cor de rosa clara, o dia hoje está um pouco mais frio, o outono começa a aproximar-se.

Tomei o pequeno almoço e o Henrique chegou mal pousei a taça dos cereais no lava loiça.

- Até logo pai, bom trabalho! - gritei ao sair pela enorme porta castanha.

Assim que entrei no mercedes branco e os cumprimentei com um "Bom dia", percebi que algo se passava com o meu namorado.

- Está tudo bem!? - perguntei depois de lhe dar um beijo.

- Sim, estou só cansado. - respondeu sem olhar para mim.

- Pois, sabes como é Alice, vida de futebolista profissional é difícil... - cacarejou a barbie oxigenada.

- Cala a boca Anica! - vociferou o Henrique.

Franzi a sobrancelha mas também não fiz mais perguntas, ele parece ter acordado de mau humor e eu não quero chateá-lo ainda mais, caso contrário sei que vamos acabar por discutir outra vez e sinceramente já estou farta de problemas.

Já na escola e depois do Henrique ter tomado o seu habitual café curto eu disse para o grupo de futebolistas e uma barbie:

- Vou à casa de banho antes do toque, já volto.

O Filipe olhou para mim e sorriu quando me levantei da cadeira de plástico da sala de convívio, retribui o sorriso, beijei o Henrique na face e dirigi-me à casa de banho.

- Alice?

Ouvi a vozinha esganiçada da Anica chamar.

- Já vou sair. - respondi. Abri a porta e fui até aos lavatórios para lavar as mãos.

Não consigo entender como é que com um frio destes esta rapariga consegue vir de mini saia e top de alças para a escola.

- Preciso de falar contigo!

- Podes falar eu estou a ouvir...

- Bem eu não sei se vais gostar muito daquilo que tenho para te contar, mas acho que deves mesmo saber o que o Henrique vai fazer...

- Fala de uma vez Anica! - vociferei. O que quererá ela dizer-me em relação ao Henrique? O quê que ele vai fazer? Estou a começar a entrar em pânico.

- O Henrique recebeu uma proposta irrecusável de uma equipa de Londres.

- Que proposta Anica!?

- Ele vai jogar para lá, para uma equipa inglesa.

Neste momento deixei de sentir o corpo, era como se me tivessem tirado o chão, não consegui refutar sequer contra os sorrisinhos da Anica. Isto não pode ser verdade, como é que ele não me disse que ia para Londres? Não, isto não me pode estar a acontecer!

- Ah e claro que quando ele for vai ficar a viver em minha casa, aliás, o Henrique conhece Londres como a palma da mão dele, vai ser fácil de se adaptar à nova vida.

- Porquê que me estás a contar isto Anica!? - perguntei ainda em choque. - Porquê que não foi o Henrique a contar-me?

- Sabes querida, é que o Henrique está com medo da tua reação, e também não te quer magoar claro. Ainda por cima tendo em conta que...

- Que o quê!? - bati com força a mão na bancada, fazendo com que a minha mochila caísse ao chão.

- Calma Alice! É que quando ele for eu vou com ele... vim para cá por causa dele, por isso sem ele não estou cá a fazer nada sabes...

- O quê que tu queres dizer com isso? Anica diz tudo de uma vez por amor de Deus!

- Eu e o Henrique temos uma história Alicesinha e eu não vou desistir dele okay!? Sou muito melhor do que tu e ele sabe disso, é só uma questão de tempo e eu e ele vamos estar juntos em Londres.

Levantei a cabeça e olhei-a nos olhos, não consigo ver nada à frente para além de ódio e raiva. Lancei os meus braços para a frente e agarrei nos cabelos loiros falsos da Anica.