Capítulo 81
ALICE
Fiquei perplexa assim que os vi entrar. O Vasco sorriu para mim com o seu sorriso branco habitual, e cumprimentou-me com dois beijos no rosto, já o seu pai não deu um passo e olhou para mim com os olhos esbugalhados mas confusos ao mesmo tempo.
- Alice está tudo bem? - perguntava a Inês. A sua expressão de revolta fez com que eu desviasse o olhar do homem de cabelo grisalho.
- Bem me parecia que a vossa cara não me era estranha! - exclamou ele.
- Bom, eu não estou a perceber o sucedido muito bem, mas talvez seja melhor entrarmos e sentarmo-nos na sala, é mais confortável do que ficarmos em pé. - aconselhou o meu pai enquanto dava um aperto de mão ao pai do seu futuro genro.
Já na sala, o senhor não tirava os olhos de nós o que me estava a deixar bastante irritada.
- Mas afinal de onde é que as conhece!? - perguntou o Henrique num tom de desconfiança. Apertei a sua mão com força pela forma como ele falou com o pai do Vasco e ele olhou para mim de volta com cara de chateado.
- Bem eu não costumo ser muito bom com nomes, is a fact but, normalmente não costumo esquecer-me das caras das pessoas.
- Já conhecias a Inês pai!? - perguntou o Vasco intrigado.
Os três sofás da sala estavam ocupados inteiramente. No sofá de canto estava o Henrique comigo no colo, na poltrona, perto da televisão, estava sentado o meu pai e, por último, no sofá maior estavam a Inês o Vasco e o seu pai.
- Eu penso que não seja a Inês, mas elas são tão iguais! - exclamava olhando fixamente para nós, como se fossemos extraterrestres.
- Vai me desculpar, mas de onde é que conhece as minhas filhas?
- Ah não não. Eu só conheço uma delas, a Alice! Alice Ribeiro right!?
- Pois, parece que sim! - vociferou o Henrique.
- Para com isso! - sussurrei no seu ouvido.
Estavam todos com caras de quem não está a perceber nada, principalmente o Vasco e a Inês. Ambos de mãos dadas olhavam para mim, para o homem e novamente para mim.
- O Mr. Allen é meu professor de Biologia lá na escola. - respondi envergonhada.
- Ahhh! - exclamou o meu pai.
- It´s true! E pelo que sei é uma aluna bastante aplicada, veio com uma média bastante boa da sua anterior escola.
Sorri envergonhada e esperei que a minha irmã mudasse o tema da conversa. Como é que é possível o Mr. Allen, o professor mais chato de todos os tempos ser o pai do Vasco? É simplesmente inacreditável que um rapaz tão simpático e amoroso, porém, com um estilo bastante fora do comum seja filho de um homem aborrecido como o Mr. Allen.
Ainda só tive uma aula com ele e já me senti uma aluna do Hight School, o problema é que o professor não é como aqueles que vemos nos filmes de comédia, é mais como num documentário aborrecimento.
O Henrique pareceu-me já estar mais calmo, e assim que o assunto passou a ser futebol, apercebi-me de que me tinham roubado o namorado por segundos.
- Então você joga no Benfica B é isso!? - perguntou Mr. Allen.
- Sim, fiz lá as escolinhas, acabei por passar nas captações e fui escolhido para ponta de lança da equipa B.
- That´s great!
Enquanto isso, eu a Inês e o Vasco dirigimo-nos para a cozinha onde estava a Rosa a acabar de empratar o jantar. O cheiro maravilhoso da picanha espalhava-se por toda a divisão e a fome começava a dar de si quando ouvi a minha barriga. Disfarcei tossindo para que o Vasco não percebesse, mas acho que não deu muito resultado e começamos todos a rir-nos.
- Peço desculpa por aquilo do meu pai, estava a ver que o teu namorado se ia passar com ele.
- Não, não tens de pedir desculpa! O Henrique é que é muito desconfiado e também não é muito normal chegar um homem a tua casa e dizer que te conhece, mas demorar eternidades para dizer de onde.
A Inês olhou para mim com os olhos esbugalhados. Talvez não devesse ter dito as coisas desta maneira. Porra Alice só fazes porcaria.
Olhei para o Vasco novamente e percebi que ele estava a sorrir, espero que isso seja um sinal de que não levou a mal o que eu disse em relação ao seu pai.
- Bem meninos vou servir o jantar, todos para a mesa! - exclamou a Rosa ao pegar nas travessas com picanha.
O jantar estava a correr lindamente, a Inês passou o tempo todo a perguntar se estava tudo bom e se o Mr. Allen estava a gostar, ao que ele sempre respondeu que sim.
- Percebo que por muito iguais que vocês sejam por fora, as vossas personalidades são bastante diferentes. - comentou.
- Nem imagina! - exclamou baixinho o Henrique. Dei-lhe um pequeno pontapé por baixo da mesa para que se calasse, mas ele ainda gritou mais alto:
- Au! Para que foi isso!?
Ficaram todos a olhar para mim. Mais uma adicionada à soma das "vergonhas da Alice no dia de hoje".
- Elas sempre foram muito diferentes, a Alice sempre foi mais calma do que a Inês, mas ao mesmo tempo a Inês sempre foi mais extrovertida e animada do que a Alice. - respondeu o meu pai.
- Pois, já deu para perceber. A Alice parece ser muito boa menina.
- A Inês também é pai! - vociferou o Vasco.
Não estou a perceber muito bem o que está a acontecer neste momento, mas estou a ficar bastante desconfortável com tudo isto.
- Claro que sim filho, não disse o contrário.
Senti a perna do meu namorado começar a tremer rapidamente e isso é um sinal de que ele está a ficar nervoso. Olhei para ele de maneira a perguntar silenciosamente o que se passava e ele cerrou o maxilar.
- Mas e então Alice, qual é a profissão que gostava de ter no futuro!? - perguntou-me o Mr. Allen.
- Pensei em tirar o curso de biologia marinha no Algarve. - respondi mal acabei de engolir o pedacinho de picanha que a Rosa cozinhou para um jantar, que não me parece estar a correr tão bem quanto a minha irmã esperava.
- Awsome! E queres ser bióloga mesmo!?
- É esse o meu objetivo sim.
- Amazing! Well, se um dia precisares de alguma coisa em que eu possa ajudar...
- A Inês está numa escola de artes performativas muito boa cá em Lisboa, sabia pai!? - interrompeu o Vasco.
Agradeço-lhe imenso por tê-lo feito, a conversa estava a tornar-se demasiado constrangedora, principalmente, porque parece que o Mr. Allen não quer saber da namorada do seu filho, o que me incomoda bastante, porque sei perfeitamente que a Inês detesta não ser o centro das atenções, então, quando essas atenções são todas depositadas em mim ainda é pior.
- Artes performativas, uau! E queres seguir o quê!?
- No início entrei para lá apenas e só por causa da dança, mas agora que vejo o quão interessante e relevante é o mundo do espetáculo para a cultura do país penso que quero ser atriz de teatro musical, o que engloba as três áreas que estou a estudar, o canto a dança e a representação. - respondeu a Inês toda animada. Talvez esta tenha sido a única conversa que tenha tido com o senhor desde a última vez que lhe perguntou se estava tudo do seu agrado.
- Well, não sei se é a profissão mais viável para um bom futuro, mas boa sorte. - assentiu com a cabeça.
Senti o coração da minha irmã se despedaçar mesmo à nossa frente. O seu rosto ficou vermelho e consegui ver os seus olhos encherem-se de lágrimas, porém, antes que alguma caísse ela levantou-se e pediu permissão ao meu pai para ir à casa de banho.
O Vasco saiu atrás dela e quando eu tentei ir também o meu pai impediu-me com o olhar penetrante.
- Sabe Harry - iniciou o meu pai - tenho uma questão para lhe colocar. - O seu rosto mostrava uma expressão de puro desdém e raiva.
- Diga.
- Gosta de ver filmes!? - perguntou esfregando as mãos por cima da mesa.
- Bastante, talvez o meu género favorito sejam os de ação, ou talvez os de história. - respondeu o meu professor.
- Os meus por acaso são os de comédia ou os musicais. Conhece o John Travolta presumo.
- Conheço perfeitamente, é um ator brilhante.
- É sim, é um homem rico e famoso pelo seu talento. Sabe por onde é que ele começou?
- Como assim?
- O Travolta começou a sua carreira por fazer musicais, e esses foram os filmes em que ficou mais conhecido. Nunca ninguém se vai esquecer do sucesso de "Grease" e da música "You're the one that I want" interpretada por ele e pela incrível Olivia Newton-John. Como vê Harry, a profissão de ator de teatro musical pode ser sim bastante viável para o futuro de alguém, basta essa pessoa ser extremamente boa no que faz e pode ter a certeza de que a minha filha é uma incrível bailaria e pelo que estou a perceber uma brilhante atriz! Sei perfeitamente que ela vai ter sucesso.
O meu professor baixou a cara e continuou a comer sem dizer uma única palavra. Olhei para o meu pai e sorri orgulhosa pela sua atitude defensiva em relação à Inês.
A minha irmã e o namorado chegaram segundos depois à mesa e reparei que os olhos dela estavam um pouco vermelhos.
- Então Vasco, a única impressão de que tenho tua é a de um herói - disse o meu pai - mas gostava de te conhecer melhor, sem tirar conclusões precipitadas a teu respeito.
Eu e o Henrique olhamos um para o outro chocados com a indireta do meu pai. Começo a pensar que a ideia deste jantar talvez não tenha sido a melhor.