Capítulo 9
INÊS
Eu não acredito que ela me bateu, detesto a minha irmã, ela sempre foi assim, sempre quis ter as atenções todas em cima dela, sempre quis ser a menina dos papás, a minha mãe sempre gostou mais dela do que de mim, a Alice sempre fez de tudo para dar graxa às pessoas, dizia coisas bonitas, tratava-as sempre bem, independentemente se elas fossem rudes com ela ou não, isso sempre me irritou, eu nunca fui assim, não gosto de me fazer de vítima e mostrar ser algo que não sou.
Ela roubou-me o Tiago, mas não me vai roubar o Henrique, ele vai ser meu!
Decidi ir jantar a casa dele, mas para ele não vou ser eu a lá estar, mas sim a minha irmã, posso estar a enganá-lo agora, mas ele nunca vai saber e quando ficarmos juntos ele vai agradecer-me.
Tenho a certeza de que a Alice não vai sair mais do quarto hoje, o que até me ajuda, pois assim consigo preparar-me para o jantar sem que ela saiba. Vou levar o vestido que ela comprou e me emprestou para ir sair com o Henrique. Na noite em que eu fui sair com ele, fiquei a saber que gostava do vestido, parecia que já me tinha visto vestido com ele, mas deve ter sido só impressão sua.
Ainda no terraço, fico a olhar durante algum tempo para casa dele, será que está no seu quarto? Ou talvez na sala a ver um filme? Ai, quem me dera ser uma mosca e poder vê-lo sempre que quisesse.
De repente, oiço o som de um telemóvel, o toque de telemóvel da Alice.
"Tiago"
Claro que tinha de ser o Tiago a ligar para a princesa, tenho a certeza de que ele ainda é louco por ela e a menina já está aqui a tentar algo com o Henrique. Pobre coitado, quando é que vai perceber que a minha irmã é uma parva por não o querer?
Será que devo atender? Talvez sim! Sim, vou atender!
- Estou!?
- Alice?
- Olá Tiago, como estás!?
- Alice, és tu? - a minha voz e a da minha irmã são um pouco diferentes, é verdade, só espero que ele não entenda isso.
- Sim, desculpa, estou um pouco constipada.
- Mas ainda ontem falamos e tu estavas bem! - falaram ontem? Eu não fazia ideia de que eles mantinham contacto, não depois de termos vindo para cá.
- Deve ter sido por ter deixado a janela aberta durante a noite, cá em Lisboa faz mais frio do que aí, talvez tenha sido por isso! - não gosto de lhe mentir, ele é e sempre foi um querido para mim. Uma vez, na escola, estávamos os dois sentados num banco a lanchar e quase que nos beijamos, mas quando isso ia acontecer a Alice chegou e começou a falar com ele. Nunca fui capaz de lhe dizer o que sentia, pois sabia que ele era completamente apaixonado pela minha irmã, sempre foi. Era a mim que o Tiago contava tudo, principalmente assuntos relacionados com a minha irmã. Nesse tempo, a minha vida parecia um filme no qual eu estava destinada a ser a melhor amiga do protagonista e nada mais do que isso.
- Sim, talvez tenho sido por isso! Mas então, dormiste bem!? - perguntou-me ele. Sempre tão atencioso e querido.
- Sim, sonhei contigo! - acabei de ter uma excelente ideia para que a minha irmã deixe o Henrique em paz.
- A sério!?
- É verdade, sonhei que estávamos os dois na praia, aí em Odeceixe, sonhei que andávamos pela beira da água, de mãos dadas, ao pôr-do-sol!
- Mas tu sempre preferiste o nascer do sol!
- Pois, mas o sonho passava-se no final da tarde, vá se lá entender os sonhos. - tentei disfarçar rindo-me. Qual é a pessoa que prefere o nascer ao pôr-do-sol? Nunca irei entender a minha irmã.
- Pois é estranho, mas conta-me mais pormenores desse sonho!
A conversa foi-se desenrolando, inventei uma história romântica e do outro lado da linha o Tiago estava deslumbrado com tudo o que eu lhe estava a dizer. É incrível o amor que ele sente pela minha irmã, acreditou em tudo aquilo que eu lhe disse e mesmo estando eles separados ele continua a gostar dela como no início.
A chamada terminou e quando dei por mim era quase meio dia, detesto cozinhar e tudo o que está relacionado a utensílios de cozinha. Infelizmente, o meu pai ainda não contratou uma emprega como a Rosa. A Rosa era a nossa empregada no Algarve, como nos viemos embora ela passou a trabalhar para os Pereira, mas agora aqui uma Rosa fazia bastante falta, tenho de falar com o doutor Daniel!
Decidi então encomendar uma pizza, escolhi a de barbecue, que de todas elas é sem dúvida a minha favorita. A entrega não demorou muito e depois de o giríssimo motoboy ter tocado à campainha e eu ter pagado corri para o meu quarto para me deliciar com aquela pizza, que se já cheira bem, então eu mal posso esperar por sentir o seu sabor.
O almoço estava espetacular, mas não podemos esperar menos de uma pizza! Seguidamente decidi preparar-me, eu sei que o jantar é só logo à noite, mas uma rapariga que se preze começa a preparar-se horas antes, para ter a certeza de que tudo vai correr bem.
Peguei no vestido branco da Alice e coloquei-o em cima da cama junto com umas meias de vidro e a minha roupa interior, um sutiã branco de renda e umas cuecas a condizer. Fui para a casa de banho e preparei um banho de emersão, não posso estar tensa quando chegar a casa do Henrique e não há nada melhor do que um bom banho de emersão a ouvir música para me acalmar.
Devo ter ficado na banheira pelo menos uma hora, enquanto ouvia músicas do Ed Sheeran, a água já estava a arrefecer quando saí e por esse motivo enfiei-me rapidamente no meu roupão cor de rosa. O dia hoje está ótimo, não há vento nem nuvens por perto, talvez seja um presságio de que o jantar vai correr bem!
Voltei para o quarto, liguei a televisão e comecei a ver um programa que estava a dar no TLC "Say yes to the dress". Se a Alice estivesse aqui começava já a disparatar e a dizer que não faz sentido nenhum a noiva ir com toda a família comprar o vestido, pois as amigas e a família ficam sempre chateadas por ela gostar de um que elas detestam e blá blá blá. Coisas da Alice!
Enquanto via o programa ia-me maquilhando, decidi não fazer nada muito arrojado, porque esta noite vou ser a minha irmã e ela não gosta de se maquilhar demasiado, diz que não é nenhuma boneca, coisa que eu não concordo, para mim toda a gente fica bem com maquilhagem e um pouco de base, com pó, umas sombras nos olhos e um eyeliner bem feito, ficam incríveis em qualquer pessoa. Mas bem, tenho de pensar que vou ser a Alice e encarnar a personagem dela. Ainda bem que consegui entrar para a escola de artes performativas, vou aceitar esta situação como um ensaio, onde posso conseguir o Henrique como prémio.
Quando acabei a maquilhagem, olhei para o relógio e reparei que já são seis e meia da tarde, o que quer dizer que não tenho muito tempo para me pentear e vestir. Pensando bem, eu não sei a que horas é que era o jantar, mas provavelmente se aparecer por lá antes da hora prevista não há problema.
Sentei-me novamente no toucador, tenho de fazer um penteado bonito, nada muito elaborado, mas que fique bem e que o deixe impressionado, talvez cachear o cabelo seja bem pensado, não é algo muito exagerado, mas fica bonito. "Say yes to the dress" acabou e infelizmente começou a dar "90 days to wed", esse sim eu detesto, acho que não faz sentido nenhum, deve ser das únicas coisas em que eu e a Alice estamos de acordo.
Cabelo pronto, está na hora de me vestir, este vestido é mesmo lindo, mas será que ele vai pensar que não tenho outros vestidos, ou que neste caso a minha irmã não tem outros vestidos. Não, ele provavelmente vai pensar que temos vestidos iguais!
O tempo passou a correr, quando dei por mim já eram oito horas, preciso de sair já de casa antes que eles comecem a jantar sem mim. Peguei na minha mala cor de rosa que combina com a sombra dos meus olhos e sai de casa sem avisar a Alice. Ela provavelmente não vai sair do quarto, portanto não tenho por que a avisar, para além disso estamos chateadas e a última coisa que eu quero é falar com ela.
A cada passo que dava, com as minhas all stars brancas, o meu coração acelerava cada vez mais, é incrível o estado em que aquele homem me deixa, sempre que o vejo sinto como se tivesse engolido milhões de borboletas e isso é incrível.
Toquei à campainha e segundos depois ele veio à porta.
- Alice!?
- Olá Henrique!
- Tu tinhas dito que não vinhas...
- Mudei de ideias, ainda à lugar para mim?
- E a Inês? - oh meu Deus, mesmo não estando supostamente presente ele pergunta pela minha pessoa.
- Ficou em casa, tu só me convidaste a mim certo?
- Mas pensei que tinhas ficado chateada... Aliás tu ficaste chateada por causa do que eu disse...
- Henrique, está a ficar frio cá fora, posso entrar ou não?
- Sim, claro, é só que não estava à espera de que viesses! - disse ele enquanto abria mais a porta para eu conseguir entrar.
- Às vezes eu consigo ser uma caixinha de surpresas! - respondi-lhe piscando o olho. Penso que está a correr bem, ele não entendeu que eu não sou a Alice e já estou dentro da casa dele. Onde será o seu quarto? Será que ele me vai levar lá?
A mãe dele estava na cozinha a preparar o jantar, ele acompanhou-me até lá para a conhecer. Assim que nos vimos cumprimentamo-nos com dois beijos na cara, a Melany é uma senhora muito simpática.
- O Jorge deve estar quase a chegar, ele é arquiteto e sabes como é fica sempre a trabalhar até mais tarde.
- E a senhora faz o quê? - perguntei eu, espero não ter sido demasiado indelicada, às vezes não consigo conter a minha curiosidade e as coisas acabam por me sair sem querer.
- O Henrique não te disse!?
- Sim, eu disse-te, quando fomos passear, não te lembras? - perguntou-me ele. - passear, eles os dois? Eu não fazia ideia de que eles tinham ido passear, e agora o que é que eu digo, ai estou frita!
- Sim, desculpem eu sou muito esquecida!
- Eu sou médica Alice, trabalho com o teu pai no hospital! - fiquei surpreendida quando a Melany disse que era médica, imaginava-a como uma mulher que não trabalhava e limitava-se a ficar em casa com a sua cadela chamada Lulu. A mãe do Henrique é uma mulher alta, que se veste muito bem e usa bastante maquilhagem, pelo menos hoje está assim, imaginá-la vestida com uma bata branca é difícil para mim neste momento.
- Ah sim, já me lembro do Henrique me ter dito.
Olhei para ele na esperança de que não tivesse reparado na troca de identidade, mas pela maneira como está a olhar para mim, parece que não notou nada, coisa que sinceramente não sei se é boa ou má.
- O jantar já está pronto mãe? - perguntou ele.
- Não filho, mas está quase, enquanto isso porquê que não vais mostrar a casa à Alice, aproveita e leva-a até à Megui!
- Quem é a Megui!? - perguntei eu. Será que o Henrique tem uma irmã mais nova e não me falou dela, e se já tiver falado dela com a Alice, ai, vou pôr o pé na poça novamente!
- A Megui é a nossa cadela, ela está lá em cima, queres vê-la? - perguntou ele olhando-me fixamente. Aquele olhar dele é tão, tão, tão, algo que não sei explicar. O meu coração vai disparar se ele continuar a olhar assim para mim.
- Sim, claro que sim!
Subimos para o primeiro andar, a casa do Henrique é muito bonita, moderna assim como a minha e tem bastantes quadros e espelhos. A família dele também deve ser rica pela aparência dos objetos.
- Estás muito bonita hoje Alice!
- A sério, achas mesmo?
- Eu já te tinha dito que esse vestido te ficava bem! - como assim? Quem usou o vestido naquela noite fui eu a Inês e não a Alice!
- Eu sei, mas é que ouvir um elogio sabe sempre bem!
- Estás estranha!
- Estranha? Porque dizes isso!? - ele não pode descobrir, não pode, se ele souber que não é a minha irmã que está cá ele nunca mais vai falar comigo. Eu e a Alice fizemos isto uma única vez, porém, dessa vez foi ela quem me substituiu a mim. A situação foi bastante constrangedora, basicamente, eu namorava para um rapaz, mas já não gostava dele, então pedi à minha irmã que fosse acabar com ele por mim. Nunca invertemos os papeis, nunca foi necessário, a vida da Alice sempre foi muito monótona, mas o facto de isto não ter acontecido antes está a deixar-me atrapalhada.
- Não sei, pareces diferente, mais descontraída, mais solta, pareces-te mais com a tua irmã!
- Sabes, é que antes de sair de casa ela disse-me para não ser tão casmurra contigo, não fazia sentido, porque tu és e sempre foste simpático connosco e principalmente comigo então não seria justo da minha parte te tratar daquela maneira.
- Não faz mal, eu gosto quando és casmurra comigo! Dás-me pica!