Capítulo 78
ALICE
A primeira aula foi horrível, assim como as restantes, no primeiro intervalo da manhã o Henrique estava à minha espera no corredor para se poder desculpar, mas eu não consegui falar com ele, não sabia o que pensar ou o que fazer, portanto decidi que seria melhor não conversar com ele até ter tudo resolvido comigo mesma. Passei todos os intervalos na sala de convívio, sozinha, sentada numa mesa de canto, com o meu livro favorito "O fio da felicidade" de Jill Mansell. Já o devo ter lido umas cem vezes e nunca me canso. A história da Essie e de Lucas é tão diferente e apaixonante e no meio de todos os problemas eles conseguiram ficar juntos, pelo menos é o que o livro dá a entender. Gostava de ser um pouco mais como a Essie, ter a força dela e uma amiga como a Zillah que me apoiasse.
Nas seguintes aulas percebi que nem todos os professores daquela escola são bons, conheci aquele que talvez seja o pior professor que eu tive em toda a minha vida. O Mr. Allen, como ele exige ser chamado é o meu novo professor de Biologia, um homem alto e robusto, de cabelos já grisalhos, aparenta ter pelos menos uns cinquenta anos de idade, contou-nos que veio da América e que tenciona seguir as regras de lá, portanto, nas suas aulas temos de nos "comportar como verdadeiros americanos", não entendi muito bem, mas foram essas as palavras dele. No início pareceu ser bastante simpático, porém, com o decorrer da aula deu para perceber que é um homem bastante aborrecido e tem de ter razão em tudo, o que me revolta especialmente.
Depois do autocarro me deixar a alguns metros do portão do condomínio, estava com medo de encontrar o Henrique novamente, detesto ser pressionada e depois do que aconteceu esta manhã, a última coisa que necessito é de me cruzar com ele ou com a barbie oxigenada da Anica sentada no banco do acompanhante do Mercedes.
- Olá menina Alice, boa tarde!
- Boa tarde senhor Nunes! - respondi ao porteiro do condomínio.
O senhor Nunes é muito simpático, para além de ser colega do meu pai deve ser das únicas pessoas que não me trata como uma criança, para além do Henrique claro... E mais uma vez lá estou eu a voltar a pensar nele.
- Senhor Nunes, sabe se o Henrique já chegou? - perguntei apreensiva.
- Ainda não o vi depois de ter saído de manhã menina.
- Obrigada senhor Nunes, boa tarde!
Ele acenou-me com a cabeça e eu entrei pelo enorme portão verde, que separa o meu mundo do resto da sociedade.
Tenho sorte de viver na segunda casa, isso quer dizer que não tenho de andar muito para chegar e poder tomar um duche para descomprimir da porcaria do dia de hoje. Felizmente as aulas acabaram às duas da tarde e consegui chegar a casa meia hora depois.
Ao entrar no jardim, ouvi um carro a aproximar-me e olhei para trás, quando me apercebi de que era o carro do Henrique desatei a correr para dentro de casa e bati a porta com tanta força que acabei por atirar uma moldura de "boas vindas" ao chão. Aprecei-me a apanhá-la antes que a Rosa viesse ter comigo e corri para o meu quarto.
- Menina Alice já chegou!? - gritou a Rosa mal fechei a porta com força.
- Sim, vou tomar um duche.
- Depois venha para baixo menina, o lanche está na mesa! - continuava ela a gritar com a sua voz extremamente fina.
Não respondi, olhei pela janela e o carro já não estava lá, não sei se fico feliz ou triste por esse facto, mas preciso de afastar estes pensamentos, nem que seja apenas por alguns momentos.
Escolhi umas calças de fato de treino cinzentas da Nike e um cropped azul marinho que comprei há bastante tempo na Primark, um dos meus favoritos. Abri a gaveta da roupa interior e retirei de lá um conjunto da Calvin Klein cinza, adoro ver-me com ele vestido e é um dos favoritos do Henrique, mas isso não interessa, porque eu estou a tentar abstrair-me dele, o que por sinal não está a resultar.
Já no corredor olhei para as escadas que vão para o terraço, já não vou lá há algum tempo, provavelmente ainda lá está a última pintura que fiz do céu estrelado. Decidi subir para confirmar.
O condomínio é excelente para pintar à noite, é um local sossegado e o facto de não ter muita luz, nem árvores à volta, dá para ver espantosamente bem as estrelas.
Numa noite, durante as férias de verão, o Henrique trouxe o telescópio dele e ficamos os dois a ver as estrelas, não sabia que ele percebia tão bem do assunto, explicou-me e mostrou-me várias constelações e eu lembro-me de ficar imenso tempo a olhar para os seus olhos azuis brilharem ao luar.
Quando dei por mim, estava deitada na rede que o meu pai colocou junto aos sofás para poder ler nas suas folgas, penso que nunca a utilizou até então. Olhei para a janela do quarto do Henrique e lá estava ele, sentado na secretária com a bola de futebol na mão. Em que estará a pensar? Será que o hematoma que tem no olho direito lhe dói muito? Como terão corrido as aulas dele tendo em conta que o Lucas é da sua turma?
Acabo de perceber como o nome que a pessoa tem, em nada interfere com a sua personalidade, o Lucas do livro que estou a ler é alguém que toma más decisões no início, mas não é má pessoa, nem tenta provocar desordem e brigas, já o Lucas Dias consegue estragar o dia de alguém apenas com um simples "Então Henrique".
Voltei a olhar para a janela dele, da qual retirei o olhar enquanto pensava em coisas aleatórias, e reparo que ele está a olhar para mim. Baixei a cabeça imediatamente e olhei para a roupa que tinha em mãos, o meu coração disparou instantaneamente e o meu corpo começou a tremer.
Quando voltei a olhar, na esperança de que ele ainda lá estivesse a olhar para mim, ou então, que tivesse saído de casa a correr para vir ter comigo, vi que no quarto dele, sentada na cama e com um top que mais perece um soutien, estava a Anica. Não sei do que falavam, mas ela estava quase nua e isso conseguiu tirar-me do sério em segundos. Levantei-me, voltei a olhar para a tela pintada de azul escuro e branco e desci as escadas até à casa de banho.
HENRIQUE
- Então priminho o que vamos fazer hoje à noite!? - perguntou ela animada. Trazia vestido um top minúsculo vermelho, com uns calções de fato de treino justos e curtos em tons de cinzento.
Em tempos provavelmente ficaria excitadíssimo por vê-la assim, mas agora só quero que ela saia do meu quarto para poder voltar a olhar para a Alice. Será que ela já quer falar comigo?
- Eu vou ficar no meu quarto a ver um filme, tu não sei! - vociferei.
- Não te percebo Henrique, eu venho ao teu quarto, assim, e tu quase nem olhas para mim, nem te sentas ao meu lado, onde está o Henrique que eu conheci e com quem passei momentos incríveis no meu quarto em Londres?
- Esse Henrique cresceu e já não tem dezassete anos, para além do mais, eu namoro Anica!
- Eu não sou ciumenta... Anda lá Henrique, vamos matar saudades... - implorava ela num tom sedutor.
Levantou-se e aproximou-se de mim na cadeira, sentou-se no meu colo, com as pernas abertas, virada para mim e começou a sussurrar no meu ouvido:
- Eu sei que tu também tens saudades... - movimentava a anca lentamente de forma a roçar-se em mim. - Eu posso fazer-te lembrar de como é que nós fazíamos, posso mostrar-te o que eu sei fazer melhor com a minha boca.
Neste momento o meu corpo está imóvel, não sei o que fazer, quero retirá-la de cima de mim, mas não consigo.
- Eu sei que ainda te excito, que te deixo louco e também sei que tu queres isto tanto quanto eu... - ela lambia a minha orelha e beijava o meu pescoço, plantando beijos molhados e provocantes. - Ela não sabe fazer-te sentir como eu faço, ela não te faz vir como eu faço, ela não te quer como eu te quero!
Nesse momento agarrei a sua cabeça e olhei fixamente para ela:
- Tu não és como a Alice, nem nunca vais ser! Tu não sabes o que é estar apaixonado por ninguém! Ela dá-me tudo o que eu preciso e faz-me sentir muito melhor do que o que tu fazes! Eu quero a Alice, não a ti Anica, vê se metes isso na tua cabeça, de uma vez por todas, e paras de me chatear! -
Empurrei-a do meu colo fazendo com que caísse no chão e saí do quarto deixando-a lá. As memórias das férias de verão de 2017, em Londres, começaram a aparecer e eu prometi a mim mesmo que nunca mais queria recordar tudo aquilo.
A Anica é uma pessoa nojenta e só está bem a infernizar a vida dos outros. Agora que voltou, eu não posso deixar que ela destrua a minha relação, caso contrário vou cair outra vez na sua teia.