Capítulo 8
- Bom dia doutor! Estava a ver que nunca mais me iria cruzar consigo!
- É verdade, mas bem, parece que agora somos vizinhos!
- Vocês conhecem-se!? - perguntou a Inês. Assim como eu, ela também ficou curiosíssima com toda aquela situação. O Henrique cheira bem, o toque da sua mão deixou um leve aroma ao seu perfume na minha cara. Não consigo compreender o motivo de estar a pensar que ele cheira bem neste momento, enquanto tenho um mistério para desvendar.
- Sim, o Henrique foi meu paciente há uns anos. - respondeu o meu pai. Paciente? O Henrique já precisou de fazer uma cirurgia?
- Quando eu tinha quinze anos tive uma apendicite, foi complicado, náuseas, vómitos, dores muito fortes, falta de apetite, entre outras coisas, por isso, tive de ser operado de urgência e o teu pai foi o cirurgião que me removeu o apêndice.
- Sim senhor, doutor Daniel, sempre presente! - aplaudiu a minha irmã.
- Mas espera, nós estávamos no Algarve e ele aqui em Lisboa, porquê que foste tu o médico selecionado para operar o Henrique? - perguntei ao meu pai.
- Ahm, é que eles precisavam de um médico experiente e como eu tinha estado cá pouco tempo antes da operação, num congresso, eles acabaram por gostar do trabalho que expus e então decidiram chamar-me. Foi só isso. - notei um certo receio por parte dele com a pergunta, já era a segunda vez que isto aconteci hoje.
- Bem meninas e menino eu tenho de ir trabalhar, tenho uma operação agora de manhã que me vai roubar bastante tempo!
- Bom trabalho pai! - disse a Inês.
Assim que o meu pai saiu o Henrique sentou-se à nossa beira e ficou a ver-nos tomar o pequeno almoço. Ainda não entendi o que ele veio cá fazer, mas não quero mostrar que estou interessada em perguntar, portanto decidi continuar a comer e a observar a minha irmã a olhar para ele de cima a baixo.
- Então Henrique, o que vieste cá fazer? - finalmente perguntou a Inês.
- Eu vim falar com a Alice!
- Comigo!? - assim que ele disse aquilo o sumo que eu estava a beber decidiu voltar a sair pela minha garganta, fazendo-me entalar.
- Sim contigo! - respondeu-me ele a rir-se. Claro que se ia rir de mim em vez de me ajudar, era mais do que óbvio.
- O que queres Henrique!?
- Falar contigo em privado, pode ser?
Em privado? Porquê que ele quererá falar comigo em privado? Assim que olho para a minha irmã ela está com a cara baixada e com os punhos fechados. Sempre que faz isto é sinal de que está profundamente irritada e eu detesto ter alguma culpa, por mais pequena que seja. Olho para o Henrique mais uma vez e ele está a olhar para mim à espera de uma resposta. Não sei o que lhe dizer, caso aceite vamos falar para onde? Para o meu quarto?
- Porquê que tem de ser em privado? - perguntei. Pode ser que ele me dê algum motivo para eu recusar e isso vai fazer com que a minha irmã deixe de estar chateada.
- Alice eu preferia mesmo falar contigo em privado, por favor.
- Okay, vamos para ...
- Vão para o teu quarto Alice? - perguntou a minha irmã. Aquele tom cínico fazia-se sentir a milésimas de distância e isso deixou-me bastante incomodada. Por momentos pensei dizer que sim, que ia com ele para o meu quarto, mas preferi não a irritar mais.
- Não Inês, vamos para o terraço!
Peguei na mão do Henrique sem pensar e saímos da cozinha, subimos as escadas, e só quando chegamos ao terraço é que me apercebi de que lhe estava a dar a mão.
- Desculpa! - estava a tremer, não sei bem porque fiz isto, provavelmente foi por causa da adrenalina que a minha irmã me causou.
Ainda com as mãos entrelaçadas, os nossos olhos estavam fixados um no outro. O tempo parecia ter parado, as minha pernas estavam a tremer, o meu coração batia cada vez mais rápido. Não entendo porquê que estou assim, acho que este é o meu pensamento do dia "porquê que estou a reagir assim?".
O Henrique começou a aproximar-se lentamente de mim, sinto que estou numa cena de um filme romântico muito clichê, mas eu não posso deixar que esse romance vá para a frente.
- Então o que me querias dizer de tão importante!? - afastei-me dele e retirei a minha mão da sua. Dirigi-me até aos sofás e sentei-me, enquanto ele sorria e se sentava no outro sofá mesmo à minha frente.
- Eu queria saber se querias vir...
- Onde? Vais andar a mostrar-me Lisboa outra vez? - tinha de lhe mandar a boca, era inevitável.
- Não Alice, eu percebi que te deixei chateada, por eu ter feito isso com a tua irmã também.
- Chateada eu? Acho que estás a confundir-te! - eu não fiquei chateada, talvez só um pouco, mas nunca pensei que ele se tivesse apercebido.
- Eu acho que não me estou a confundir! Para além disso, o assunto não é esse.
- Então qual é!?
- Quero saber se queres vir comigo jantar hoje à noite.
- Jantar? - Porquê que ele me está a convidar para jantar, não faz sentido nenhum, mais uma vez. Este rapaz é mesmo estranho.
- Sim, jantar em minha casa, os meus pais querem conhecer-te!
- Conhecer-me a mim? Porquê?
- Sei lá Alice, queres vir ou não? - assim sim, este é o verdadeiro Henrique, aquele rapaz que quer ter tudo à sua maneira e não suporta que o questionem ou lhe digam "Não!"
- Não vou sem a minha irmã!
- Já sabia que tinha de haver exigências... - resmungou ele revirando os olhos.
- Ou vamos as duas, ou não vai nenhuma!
- Talvez eu possa convidar só a Inês para vir! - ele está mesmo a fazer isto? Tentar chantagear-me? Não estou a entender o que ele quer realmente.
- Então se podes convidar só a minha irmã porquê que estás a convidar-me só a mim? - Detesto quando me tentam persuadir da maneira errada, se é assim que ele quer, então vai ter de me ouvir.
- Porque eu quero que venhas tu e não a tua irmã! É assim tão difícil de perceber? - ele começou a aproximar-se, sentando-se na ponta do sofá. As mãos dele estavam a tremer em conjunto com a sua perna direita. Não olhava para mim, mas sim para o chão e trincava o lábio de baixo, um tique que já tinha reparado que ele tinha.
- Okay, eu vou jantar a tua casa, mas tu sabes que a minha irmã vai ficar chateada com isso, tu sabes que ela sente alguma coisa por ti!
- Sente!? - como assim "sente"? Não é óbvio!? O Henrique deve ser aquele tipo de rapaz que gosta quando as raparigas dizem que gostam dele, só para que o seu ego cresça mais um bocado.
- Sim Henrique, a minha irmã gosta de ti! Isso é óbvio, aliás, mais do que óbvio!
- E queres que eu faça o quê? Ela é uma miúda de quinze anos, achas mesmo que eu vou andar com uma rapariga assim?
- Desculpa!? - levantei-me do sofá e juntei-me às grades do terraço. Que lata que este rapaz tem! Está a falar assim da minha irmã, que por acaso é minha gémea, quando fala mal de uma fala mal da outra!
- Henrique vai-te embora!
- O quê?
- Vai-te embora já disse! - não suporto olhar para a cara dele. A minha irmã pode ser muito despassarada e viver as coisas demasiado intensamente, mas ela não é parva nenhuma e não merece ser tratada assim só por causa da sua idade. Muitas vezes as raparigas mais novas têm mais maturidade que as mais velhas e ele não entende isso.
- Okay, eu vou embora! Não vens mesmo jantar comigo!?
- Adeus Henrique!
- Tchau!
Ele saiu a correr, ouvi a Inês gritar por ele, mas não obteve resposta. A porta bateu com força e do terraço eu vi-o sair em direção a sua casa. Não consegui conter as lágrimas, não entendo, nunca tinha chorado por causa de um rapaz, nem quando um parvo da minha turma fazia bullying comigo por eu ser demasiado magra. Com a minha irmã era diferente, toda a gente gostava dela, apesar de sermos fisicamente idênticas ela sempre foi mais extrovertida que eu e sempre teve mais amigos e amigas.
- Alice! O que aconteceu? Porquê que ele saiu assim? - não lhe quero dizer o que ele me disse relativamente a ela, iria ficar destroçada e provavelmente iria andar aí a chorar pelos cantos. Eu conheço a minha irmã!
- Nada de mais, ele disse que queria que fossemos jantar a casa dele e eu neguei!
- Tu negaste? Mas porquê? Tu és louca!?
- Inês, eu...
- Tu nem penses que eu vou ficar aqui a jantar contigo, quando posso estar a jantar em casa do Henrique!
- Mas ele não te convidou a ti Inês! - gritei. Tinha de lhe dizer, ela já estava a começar a culpar-me por uma coisa que eu nem tinha feito, aliás eu defendi-a daquele parvo convencido.
- Como assim ele não me convidou?
- Ele veio cá para me convidar a mim, e eu disse que só ia se tu fosses, mas ele não aceitou, então eu neguei e ele foi embora!
- Porquê que ele só te convidou a ti!? - gritou ela aproximando-se de mim e apontando-me o dedo. Não entendo, ela está furiosa comigo e eu só a defendi, eu neguei, eu não aceitei ir jantar sozinha a casa dele e a única coisa em que ela pensa realmente é no facto de ele me ter convidado a mim e não a ela.
- Eu não sei Inês, não sei! Mas eu neguei!
- Tu sempre foste assim, falsa, finges-te de santinha, mas depois tentas roubar o namorado das outras!
- Namorado? O que estás tu a dizer? Eu não roubei ninguém!
- Com a mãe era igual, sempre andaste atrás dela só para teres mais atenção do que eu. Sempre fingiste ser a mais calma, a mais bem-comportada, sonsa, só para que as pessoas gostem mais de ti do que de mim!
- Estás louca Inês!
- Louca? Não, estou farta de te ver a conseguir sempre aquilo que eu quero! Eu é que gostava do Tiago e quem é que ficou com ele? Tu! Andava atrás do Afonso só para que o Tiago me desse mais atenção, mas ele só tinha olhos para ti!
- Eu não sabia, não fazia a mínima ideia!
- Fazias sim, tu sabias perfeitamente! Assim como sabes que eu gosto do Henrique e já te estás a fazer a ele! Ou tu pensas que eu não vi a maneira como ele te limpou a cara assim que chegou!
- Inês, por amor de Deus, eu não gosto do Henrique! Eu não quero ter nada a ver com ele e tu, sinceramente, também não devias queres ter!
- Claro que não! Assim tu tinhas o caminho livre para ficar com ele à vontade não é!? És mesmo falsa, hipócrita...
Sem ter noção do que estava a fazer, a minha mão deslocou-se rapidamente até à cara da minha irmã. Assim que me apercebi de que lhe tinha batido, o meu coração voltou a acelerar e sem saber o que fazer corri até ao meu quarto e tranquei-me lá dentro.