Capítulo 65
TIAGO
- Está tudo bem mãe? - perguntei assim que entrei na sala de estar.
A minha mãe tem andado estranha ultimamente, quando falo para ela, parece que nunca está presente, tenho reparado também, que a sua relação com o meu pai tem estado diferente, menos afetuosa, mais distante. Ela passa a maior parte do tempo no telemóvel e parece nunca estar disponível para nós. Não faço ideia do que possa ter acontecido, mas sei que nada disto é normal.
Desde nova, a minha mãe sempre teve uma paixão por jóias, mas infelizmente, a vida em Rogil nunca lhe facilitou muito a escolha de envergar por esse caminho. Quando conheceu o meu pai, um homem bastante diferente, com uns consideráveis dez anos a mais do que ela, um emprego fixo como gestor de uma empresa e várias outras qualidades, que fizeram com que os meus avós desaprovassem totalmente o relacionamento, ela acabou por se apaixonar e casaram algum tempo depois, mudando-se assim para Odeceixe.
Nunca cheguei a entender por que razão se mudaram para cá, talvez pelo facto de os meus avós maternos não terem apoiado o casamento e muito menos terem aceitado o meu pai como genro. A partir daí, a minha conseguiu iniciar a sua carreira no mundo do estilismo, criando jóias bastante bonitas e, com a ajuda do meu pai, acabaram por formar uma pequena empresa juntos.
- Está, porquê?
- Tens andado diferente ultimamente, pouco falas comigo ou com o Afonso...
- Tenho estado cansada Tiago, tenho muitas encomendas por acabar e isso tem me deixado stressada, tu já sabes como é que tudo isto funciona.
- Mas passa-se mais alguma coisa, eu sei que se passa!
- Importas-te de deixar de ser chato!? - o seu tom era diferente, ela nunca nos tinha tratado desta maneira, sempre foi meiga e sincera, coisa que agora não é. Os seus olhos não largavam o ecrã do telemóvel nem por um segundo enquanto falava comigo.
- Eu prometo que deixo de o ser, mas só quando tu me disseres o que se passa contigo!
- Já te disse que não se passa nada! - gritou levantando-se bruscamente do sofá cinzento e atirando o aparelho para cima de uma das almofadas.
O meu corpo gelou, esta não é a minha mãe, ela nunca agiu assim comigo, nunca gritou comigo. Os meus olhos vidraram na sua face e consigo ver nos seus, que ela se apercebe de que toda esta situação me está a assustar. - Desculpa filho! Tu tens razão, aconteceu uma coisa, mas eu não te quero preocupar...
- Conta-me mãe!
- Foi a Inês filho, ela foi atropelada e está em coma no hospital. - Neste momento, o meu irmão, que vinha a descer as escadas, correu até à sala de estar e perguntou:
- A Inês o quê!?
O estado de choque, tanto meu como do meu irmão eram notórios, mas, assim que olhei para ele, todo o seu corpo tremia.
Nunca vi o Afonso assim, ele não é muito de mostrar os seus sentimentos, talvez por isso nunca tenha tido uma namorada. A sua paixão pela Inês nunca passou para além das quatro paredes do nosso quarto, sinceramente, acho que até ao último dia que elas tiveram cá em Odeceixe, todo aquele sentimento nunca tinha saído dele, pelo menos, eu nunca soube de nada, apesar de desconfiar.
Mas agora, agora tudo aquilo que está a sentir está a ser transmitido pelo seu corpo, as suas mãos estão cerradas e a sua respiração completamente descontrolada.
- Ela está em coma filho, mas os médicos estão a fazer os possíveis para que ela recupere de pressa, o Daniel está lá com ela, vais ver que vai tudo correr bem! - repetia a minha mãe de forma a que ele se acalmasse, mas em vão.
- Eu tenho de ir a Lisboa mãe! - exclamou ele com as mãos na cabeça, enquanto andava de um lado para o outro na sala.
- Mas filho assim, sem mais nem menos?
- Já! - gritou ele.
ALICE
Enquanto subia as escadas, que me levavam ao quarto onde estava a Inês, tentava pensar em algo para lhe dizer. Trouxe comigo a pen e o computador para ela ouvir as suas músicas preferidas, mesmo já tendo acordado do coma. Tenho pena que o Henrique não quisesse vir comigo, mas eu consigo perceber o ponto dele, talvez, se eu estivesse no seu lugar faria o mesmo. Não, eu não faria o mesmo!
Nunca estive neste hospital antes, estou completamente perdida e não faço a mínima ideia de onde é o quarto da minha irmã. A senhora da receção disse-me para seguir a linha verde, mas sinto que estou a andar às voltas.
- És a Alice não és!? - perguntou um médico que passou por mim.
- Sim! - pode ser que ele me consiga ajudar a encontrar o quarto da Inês.
- A tua irmã ainda está muito fraca, mas vai fazer-lhe bem saber que tem a sua gémea para a apoiar!
- Espero que sim...
- O quarto dela é já ali à direita. Não te preocupes, tudo se vai resolver e ela vai ficar boa de pressa!
- Eu andei um bocado perdida pelos corredores...
- É normal, também te mandaram seguir a linha verde!?
- Como é que sabe!?
- Já são muitos anos a trabalhar neste hospital com as mesmas pessoas! - Ele não parecia ser muito velho, aliás, eu dar-lhe-ia uns trinta e tal anos de idade, nada mais. Talvez tenha começado logo após a faculdade neste hospital. - Mas bom, vai lá ter com a tua irmã.
Dito isto, ele virou costas e seguiu o seu caminho.
- Ahm, doutor! - gritei eu fazendo-o olhar para trás e voltar ao pé de mim.
- Sim querida.
- Ela consegue falar? - perguntei.
- Sim, mas não esperes que ela fale contigo, ainda é tudo muito recente e ela precisa de descansar.
- Sim, claro!
- Vai com calma Alice! Até já.
- Até já...
Não percebi o que quis ele dizer com "Vai com calma Alice", estou a ficar cada vez mais preocupada com a Inês, posso afirmar mesmo que estou assustada, pois não sei como reagir assim que a vir. Será que está muito magoada? Como estará o seu rosto? Ficou desfigurado? A última coisa que lhe disse foi "tu não vales nada!", e agora cá estou eu, à porta de um quarto de hospital à espera para lhe dizer o quanto gosto dela e o quanto peço desculpa por tudo o que aconteceu.
Se calhar, eu é que não valho nada, eu é que errei quando lhe bati naquela tarde, se nada disso tivesse acontecido esta porcaria toda também não estava a acontecer. Por muito que ela me tenha provocado, por muito que eu tivesse as minhas razões para fazer o que fiz, nada disso me faz sentir melhor e menos culpada por toda esta situação.
Bati à porta de vagar, porém, como ninguém me respondeu abri-a e lá estava ela. A cada passo que dava na sua direção, os estragos feitos pela batida do carro eram mais visíveis.
- Olá Inês! Como estás? - disse num tom baixo enquanto me aproximava dela.
Os seus olhos estavam com nódoas negras em volta assim como o seu nariz, mas o que mais me deixou afetada foi o facto de que ela olhava para mim de uma forma estranha. A máscara de oxigénio transparente não encobria de todo a sua aparência, o seu rosto parecia diferente, parecia perdida.
Lentamente, ela retirou a máscara da cara e disse com uma voz muito desfalecida:
- Quem és tu?