Capítulo 61

HENRIQUE

Depois de desligar a chamada com o treinador, voltei para o meu quarto, não consegui dar-lhe uma resposta agora, inventei uma desculpa e disse que precisava de falar com os meus pais primeiro. Ele ainda insistiu para que respondesse ainda hoje, mas eu não vou fazer isso.

O futebol é um sonho meu, desde pequeno, mas agora é diferente. Quando era criança, o meu pai levava-me a ver todos os jogos do Benfica e então, mais tarde, eu escolhi entrar para a equipa B. Nunca pensei fazer isto profissionalmente, sei que é um caminho difícil e acaba bastante cedo, mas, agora que recebi esta chamada, fiquei com a sensação de que isto pode ser mesmo a minha vida, eu posso ir jogar para Inglaterra, Londres, numa das melhores equipas, pelo menos para mim.

E ela? Eu não a posso deixar, agora que a consegui conquistar não a posso simplesmente perder. É claro que se lhe pedir para vir comigo ela não vai aceitar, ela tem tudo aqui, ou no Algarve, ela não trocaria nada disto por mim, para vir comigo, para vir viver a minha carreira, não é justo de minha parte pensar sequer nisso.

Passei o almoço e o lanche, não consigo comer nada, ainda não parei de pensar, tentar arranjar alguma solução para esta situação, mas não me ocorre nada. O treinador disse-me que o processo ainda é demorado, que não vou já para lá, eles ainda têm de tratar de alguns papeis e de umas tantas burocracias, provavelmente só irei para Londres no início do próximo ano. Isso ainda me dá tempo para pensar em algo, espero eu.

Sentei-me na secretária pela milésima vez, ainda não parei quieto no quarto. Olhei pela janela na esperança de a ver, ainda bem que os nossos quartos têm vista um para o outro.
Lá está ela, consigo ver a sua silhueta atravessar as cortinas azuis, o efeito da luz do sol deixa o quarto dela todo azul por causa da cor das cortinas.
O que estará ela a fazer? Será que está a pintar? Ouvir músicas da Lana del Rey pela milésima vez?

Olhei um pouco mais para cima, em direção ao terraço, ela já não vai lá há tanto tempo, todos estes problemas nem a deixam respirar, espero que agora esteja a fazer algo diferente e sem atropelamentos ou pais.
O meu telemóvel toca.

- Olá Henrique!

- Olá princesa então como estás!?

- Estou bem, vi-te no quarto e pensei se...

- Se...?

- Se podia ir para aí... Estou sem nada para fazer e isso está a deixar-me louca.

- Tenho uma ideia melhor! Dá-me cinco minutos.

Desliguei a chamada e corri até à cozinha, a minha mãe voltou para o hospital e o meu pai deve estar na empresa. Ele está com um projeto de uma casa no Algarve, em Quarteira, está constantemente a ir para lá, mas volta todos os dias para nos contar mais histórias da dona da casa. A senhora parece ser insuportável, é daquelas que tem dinheiro, mas também tem a mania de que pode fazer tudo só porque o têm. No outro dia, o meu pai contou que ela exigiu uma piscina interior, mas não queria pagar por ela, nem pela reformulação da maqueta, nem pelo projeto.

Enquanto me lembrava de algumas histórias relacionadas com o trabalho do meu pai, preparava um pequeno lanche para nós, a minha mãe comprou fruta ontem e os morangos para além de bonitos têm um aspeto delicioso, espero que ela goste de morangos. Será que ela gosta de morangos? Nunca falamos disto, acho que nunca lhe perguntei qual era a sua comida favorita, ou fruta favorita, ou livro favorito, acho que ainda não sabemos muito um sobre o outro. As nossas saídas até agora foram por Lisboa, tirando o dia de aniversário dela, mas as conversas eram muito à base de Inês, Tiago e Lisboa. Nunca falamos muito de mim, também não há nada de interessante para falar, pelo menos não há nada que ela vá gostar.

Demorei um pouco mais do que cinco minutos, mas acho que os morangos e o fondue de chocolate vão resolver o meu pequeno atraso.

Toquei à campainha e esperei até ela me abrir a porta. Espero que não demore muito, o fondue não é propriamente leve.

A porta abriu.

- Henrique!? - eu não acredito.

- A Alice?!? - perguntei bruscamente.

- É assim rapaz, vamos ter de nos entender, eu não admito que continues a falar assim comigo! - vociferou o doutor Daniel.

- Eu também não admito que magoe a sua filha vezes e vezes sem conta!

- Entra, está na hora de termos uma conversa!O pai da Alice abriu um pouco mais a porta para que eu pudesse entrar, fiquei no hall e coloquei as coisas no chão, não faço ideia para onde é que ele quer ir falar comigo.

- Sabes onde fica o escritório? Tenho quase a certeza de que sabes. - insinuou ele.

- Curiosamente não sei, nunca precisei de lá ir, eu estou mais acostumado com o andar de cima. - estamos a ter uma espécie de disputa agora, não sei bem pelo quê, mas está a tornar-se estranho. Quero magoá-lo, ou pelo menos irritá-lo ao máximo.

O pai da Alice revirou os olhos após a minha estúpida, mas verdadeira insinuação. A casa é grande como a minha, mas as divisões são um pouco diferentes e eu não faço ideia de onde fica a porcaria do escritório do senhor doutor Daniel.

- Entra! - mandou ele quando abriu uma porta no meio do corredor.

- Então, o que quer falar comigo!?

- Senta-te!

O escritório é bem grande, para alguém que passa tão pouco tempo em casa, não sei qual é a necessidade de ter uma sala assim, ele nem a deve utilizar.

Uma moldura em cima da secretária chama-me à atenção. A fotografia de duas meninas iguais uma de cada lado e uma senhora no meio. As meninas vestiam camisolas iguais e pareciam tão felizes, a senhora tinha um sorriso meigo e abraçava as filhas.

- São elas! - iniciou o pai da minha namorada.

- Anh? - perguntei eu fingindo não estar a olhar fixamente para a moldura.

- Na fotografia, é a Alice a Inês e a mãe delas...

- Sim, eu reparei. - onde quererá ele chegar?

- Lembro-me perfeitamente desse dia, tínhamos acabado de comprar a câmara fotográfica e essa foi a primeira fotografia que tiramos com ela. As meninas estavam tão contentes, e ela também.

- Porquê que quer falar comigo? - interpelei eu penso que interrompendo os seus pensamentos e lembranças daquele dia.

- Porque preciso de te explicar o que aconteceu.

- Em relação a...

- Em relação ao meu envolvimento com a tua tia.

- Eu não tenho nada a ver com isso, não tenho nada a ver com a sua vida! - exclamei.

- Henrique, tens de aprender a não julgar as pessoas apenas por uma ideia que tens delas, se queres julgar-me, vais fazê-lo depois de ouvires a minha história, depois de saberes as merdas que eu fiz.

Assenti positivamente com a cabeça, não faço ideia do que ele me ira contar ou do motivo para o estar a fazer, mas vou ouvir.

- Quando era novo eu conheci a minha mulher porque ela trabalhava com a tua mãe.

- A sério!?

- Sim. Elas trabalhavam no hospital para onde eu fui mal saí da faculdade. Eram as melhores amigas e andavam sempre juntas. Comecei a aproximar-me mais da mãe da Alice, ela era linda e eu realmente fiquei apaixonado por ela, a tua mãe sempre apoiou a relação, nós dávamo-nos muito bem. Um dia, eu decidi convidá-la para sair, mas elas pregaram-me uma partida. Quando cheguei ao café onde combinamos, ela não estava lá, mas uma cara conhecida estava. Eu sentei-me ao lado da pessoa que pensei ser a tua mãe e comecei a falar com ela e a perguntar-lhe pela minha futura esposa, mas ela estava constantemente a rir-se.

- Porquê!?

- Porque não era a tua mãe que lá estava.

- Então!? - Não estou a perceber nada.

- Quem lá estava era a Tânia, a tua tia, irmã gémea da tua mãe. - respondeu ele pausadamente como se eu devesse saber a resposta.

- Irmã o quê!?

Todos os direitos reservados 2019
Desenvolvido por Webnode
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora