Capítulo 48

INÊS

- Eu não entendo... Como é que ele foi capaz de me fazer isto!? - A minha cabeça parece que vai explodir, tenho um nó na garganta e não consigo expulsá-lo chorando.

Não choro há muito tempo, talvez a última vez que isso tenha acontecido, foi no dia em que a minha mãe morreu. Não fui capaz de deitar uma lágrima no seu funeral, e muito menos, nos meses de luto que se seguiram. Sofri em silêncio, isolei-me, mudei bastante a minha personalidade, porque não queria que me vissem como uma menina fraca que acabara de perder a mãe. Afastei-me da pessoa que eu mais gostava na vida, a minha irmã gémea, agora sinto que já não temos muito em comum, porém, fazemos um esforço para nos entendermos.

Reparei que parei no meio do caminho, as minhas pernas não se conseguem mexer.

- Inês, eu não vou conseguir compreender o que aconteceu se tu não me explicares direito... - dizia o Enzo enquanto colocava o seu braço por cima dos meus ombros, numa tentativa de me acalmar.

- A minha mãe... a minha mãe faleceu há seis anos... - gaguejei.

- Eu sei, tu constaste-me isso em uma das nossas conversas na cafetaria! - exclamou ele ao mesmo tempo que me levava até um banco de jardim ali perto para conseguirmos conversar mais à vontade.

- Quando eu saí da vossa beira, lá na discoteca, eu acabei por encontrar os amigos do Henrique, e até discuti com uma cabra, loira oxigenada!...

- Anh?

- Esquece!... Bom, acabei por saber que a minha irmã tinha ido embora, mas como me disseram que não tinha saído há muito tempo, eu decidi ir lá fora ver se ainda a apanhava.

- Porquê!? - perguntou o Enzo. Sinceramente não sei porquê, talvez por causa do... eu não sei.

- Sei lá, foi instinto, eles disseram-me que houve confusão entre o Henrique e outro gajo por causa da Alice! Mas isso também não interessa! - vociferei eu. Sei que ele não tem culpa do que aconteceu, mas eu preciso de descarregar todas as minha frustrações em alguém e ele está aqui.

Contei-lhe tudo o que se tinha sucedido numa questão de minutos, as suas expressões iam variando, no início, parecia curioso, depois, passou a assustado, mas, no fim, parecia estar um pouco preocupado e revoltado, não consegui perceber bem.

- Mas ela é a mãe do Afonso? Aquele gajo que foi à tua festa de anos a pensar que ainda namoravam ou assim?

- Sim, esse mesmo. Os Pereira são bastante chegados a nós, contudo, desde que a minha mãe morreu, ainda somos mais, ou pelo menos eramos. A Tânia era como uma segunda mãe, tanto para mim como para a Alice, então quando soube que o filhinho mais novo e a gémea predileta namoravam, foi como se já estivesse a preparar o casamento.

- Então o teu pai está a tentar refazer a sua vida com uma mulher casada!? - afirmou ele num tom interrogativo.

- Pois! Ainda por cima ela! Ele não tinha esse direito. Tanto eu como a minha irmã deveríamos saber que ele tinha outra pessoa, eu sei que já lá vão seis anos... mas não é assim tanto tempo! Eu ainda sinto o cheiro dela todas as noites. Consigo ver o quão parecida a Alice é com ela e isso revolta-me profundamente. Nunca vou ser como a minha mãe, a minha irmã sempre foi melhor do que eu!

- Inês não digas isso! Como é que podes afirmar uma coisa tão estúpida como essa? Tu e a tua irmã são diferentes, é um facto, mas não há uma melhor do que a outra! Tenho a certeza de que a tua mãe gostava tanto de ti como dela, sem distinção alguma!

As lágrimas não escorriam pelo meu rosto, porém, a minha garganta começava a doer cada vez mais.

- Eu nunca fui como ela gostava que eu fosse, eu sei disso. Sempre fui pior do que a minha irmã em tudo, escola, afinidades, temperamento...

- Mas nós não somos todos iguais! E ainda bem que não, eu gosto de ti como tu és, se tu fosses a tua irmã serias diferente e talvez não me sentisse tão atraído por esse teu temperamento como tu dizes. Tu és espontânea, não pensas demasiado nas coisas, gostas de correr riscos... Isso fascina-me em ti, tens garra!

- Mas a maioria das pessoas não vê isso... Julgam logo que não quero saber das coisas ... pensam que não sinto as coisas só porque não demonstro sentimentos.

- A minha mãe não morreu! - exclamou ele repentinamente e com os olhos fixos ao chão de paralelo branco. - Ela ... eu não sei onde ela está! Fui adotado quando tinha seis anos pela Laura, a senhora a que chamo de tia. - assim que o Enzo começou a falar da sua história, reparei que nestes últimos tempos em que temos estado juntos, eu não sei nada sobre ele, carreguei-o com os meus problemas e nunca me importei com o meu namorado, nem quis saber algo sobre ele. - Nunca consegui chamar a Laura de mãe, pois eu lembro-me da minha! Eu tenho uma mãe, eu sei disso... mas também não me consigo esquecer do que aconteceu na noite em que a minha tia me encontrou.

- Queres contar-me? - perguntei-lhe pegando-lhe na mão gélida que estava entre as suas pernas.

Ele assentiu positivamente com a cabeça e continuou.

- Eu vivia em Coimbra com a minha mãe, tínhamos um apartamento modesto, nada de grandes luxos como a tua casa, algo simples e cómodo, para nós dois chegava perfeitamente. Nessa noite, eu pedi à minha mãe para me deixar levar o Diesel a passear...

- Diesel? - interrompi eu.

- Era o meu cão, já não o vejo há anos, mas espero que esteja bem... Ela deixou, então eu calcei uns ténis e peguei na trela para o levar a passear pelo jardim. Demoramos algum tempo, a noite estava quente e tinha muita gente na rua, principalmente estudantes, lembro-me de umas raparigas que vieram fazer festas no Diesel e tudo... Quando voltamos, ela não estava em casa, corri pelo apartamento todo à sua procura, mas não havia sinais da minha mãe. Ela levou tudo Inês, roupa, chaves, alguma comida, tudo! Eu era pequeno, não sabia o que fazer, para mim era como se a tivessem raptado. Chorei durante imenso tempo, estava assustado obviamente, só queria saber onde é que ela estava. Foi aí que tive a excelente ideia de ir para a rua, sentei-me na berma da estrada juntamente com o Diesel e ali ficamos durante algum tempo. Eu só queria a minha mãe, estava com imensa fome e frio depois de algumas horas sentado no chão. Até que a Laura apareceu. - eu continuava a ouvir a sua história atentamente, estou com muita pena dele neste momento, mas não sei como reagir, nem o que fazer. - A Laura falou comigo e eu contei-lhe tudo, era apenas uma criança indefesa. Ela acompanhou-me até à esquadra e contou tudo o que tinha acontecido, eles ainda foram ao apartamento para comprovar que a minha mãe tinha ido embora. Bom, vim viver com ela para Lisboa, até que a sua família conseguiu os papeis para a minha adoção, e desde aí, que tenho estado permanentemente com eles. Esta é a minha história, eu também não tenho mãe, e ao contrário de ti, eu não sei se ela está viva ou morta, não sei se está bem ou mal, se se lembra ou não de mim. Tu tens sorte, pois, durante vários anos conseguiste ter a tua mãe por perto para te dar carinho, eu perdi a minha, e até hoje não sei porquê!

A face do Enzo ia enchendo-se de lágrimas à medida que ia falando da mãe, gostava de saber mais sobre ela, gostava de perceber porquê que foi embora, que porcaria de mãe é que deixa o filho de seis anos para trás!?

- E o Diesel? - perguntei. Pode ser que seja melhor falar de um cão do que da progenitora.

- A filha da Laura é alérgica a cães, por isso entregaram-no a um canil, não o vejo há anos, mas presumo que já não esteja aqui.

- Oh... - digo com um sentimento de derrota. Não há nada que diga que o faça sentir melhor.

- Mas voltando ao teu pai! - disse ele ajeitando-se no banco e limpando as lágrimas à camisa.

- Não há nada para falar sobre o meu pai! Ele não merece que eu lhe volte a dirigir a palavra, nem o olhar, nem nada! - afirmei eu levantando-me rapidamente. Começo a ficar irritada novamente.

- Inês, tu tens ao menos de o deixar explicar-se. Lembra-te que tens essa hipótese, há muitas pessoas que gostavam de uma explicação, por mais simples que fosse e não a têm...

- Eu não sei Enzo, eu não sou capaz de voltar para casa, não hoje pelo menos...

- Vais ficar onde então!? - perguntou ele preocupado.

- Posso... posso... ficar em tua casa? - gaguejei eu. Sei que é um pedido complicado, mas é o melhor lugar para mim agora, bem, talvez não o melhor, mas é o que tenho.

- Bem, eu acho que não há problema, podes ficar a dormir com a Camila.

- Eu preferia dormir contigo, mas sim, talvez seja melhor com a Camila... - disse eu num tom cabisbaixo.

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