Capítulo 22
HENRIQUE
O meu batimento cardíaco disparou de repente, como é que é possível que o meu primo seja o Tiago, aquele Tiago que há um mês era namorado da minha Alice. Não entendo nada! Assim que chegou, ele começou logo a falar-me da tal rapariga, disse-me que falava todos os dias com ela, que ela dizia que ainda o amava e queria ficar com ele. Como é que a Alice foi capaz de me fazer isto, criar este jogo duplo de tal maneira.
- Então esta é que é a tua namorada primo!? - perguntei ao Tiago, enquanto descia as escadas. A sua cara de parvo já diz tudo.
- É, esta é a minha Alice! - respondeu ele.
Não, ela não é tua, é minha, ela não é de mais ninguém para além de mim, não pode ser. Lutei por ela durante este tempo para agora um pirralho chegar e roubar-ma? Não! Ela é minha, só minha.
- Alice, porquê que não falas!? - perguntava o Tiago. - Está tudo bem?
Olhei para ela e reparei que o seu olhar estava fixado em mim, o seu semblante estava em choque, as suas pupilas dilatavam e a sua boca estava aberta, parecia que não queria que nada disto fosse descoberto, mas foi.
- Então Alice, não tens nada a dizer ao teu namorado? - perguntei eu. Para quem será que ela iria falar, para mim ou para o outro atrasado que está parado à sua frente?
- Tiago podemos conversar? - disse a Alice.
Eu não consigo acreditar no que estou a ver, fui traído, traído duas vezes, uma enquanto pensei que namorava com a rapariga dos meus sonhos e outra neste momento quando acabo de ser trocado novamente por ele.
O meu primo pegou na mão dela e levou-a para o meu quarto, não tive qualquer reação, o meu corpo estava imóvel e o meu coração tinha deixado de bater, pelo menos era o que parecia. Via afastar-se escadas acima, não comigo, mas com um puto de quinze anos. Não me importa que ela tenha a mesma idade, o que me importa é que era comigo que ela deveria estar, comigo e só comigo. Mas foi a ele que ela escolheu e isso eu não lhe vou perdoar.
ALICE
Tenho vontade de chorar neste momento, escolhi falar com o Tiago primeiramente para tentar entender o motivo da sua vinda, mas também porque sabia que isso ia magoar o Henrique, pode ser que assim seja mais fácil separarmo-nos.
- Oh meu Deus Alice, eu tenho tantas saudades tuas!
- O que estás aqui a fazer!?
- Eu... eu vim visitar-te, pensei que fosses ficar contente! - ele parecia perdido.
- E fiquei, fiquei mesmo, é só que, é só que eu não estava à espera de te ver por cá! Não me disseste que vinhas.
- Queria fazer-te uma surpresa, mas parece que tu te adiantaste e descobriste-me primeiro! - sorriu. O seu sorriso continua doce e calmo, ele está igual, com o mesmo ar de surfista.
- Eu não fazia ideia...
- Alice, depois de todas as nossas conversas eu não podia esperar mais, senti tanto a tua falta.
Ele levantou-se da cama e dirigiu-se a mim, não fugi como da vez em que vi o Henrique de boxers bem à minha frente, permaneci onde estava enquanto ele me agarrava as mãos.
- Também senti a tua falta, sinto falta de tanta coisa de Odeceixe, gostava de voltar lá!
- Alice eu acho que tu não me estás a perceber, eu vim cá para estar contigo, vim cá para estar com a minha namorada!
- Namorada!? - perguntei eu. Nós acabamos antes de eu vir para cá, fim da relação, ponto final. Já não somos namorados, aliás, eu já não sinto nada por ele, para além de uma grande amizade. Infelizmente estou apaixonada por alguém de quem não devia.
- Alice tu não te lembras? - perguntou-me ele calmamente. Ele sempre foi assim, calmo, preocupado, carinhoso.
- Lembrar-me de quê!? - eu não estou a entender o que ele me está a dizer, não percebo porquê que me voltou a chamar "namorada".
- De todas as nossas chamadas Alice, de todas as vezes que disseste que me amavas, de todas as vezes que disseste que querias voltar a ficar comigo, querias ver-me. Eu amo-te Alice, amo mesmo e tu sabes tão bem quanto eu de que nós fomos feitos um para o outro, é inevitável, nós temos de ficar juntos! - dizia o Tiago.
Senti o seu corpo a aproximar-se do meu, o toque dos seus lábios foi sentido pelos meus, não, ele não me está a beijar, não é possível. Ao mesmo tempo, a porta do quarto abre-se, e de lá sai o Henrique disparado para cima do Tiago.
- Sai já de cima dela seu filho da mãe! - gritou ele.
O Henrique empurrou o primo com tanto força que fez com que ele caísse no chão, junto à cama, mas isso não foi o suficiente para acalmar a sua raiva, levantou-o e pontapeou-o ao mesmo tempo que lhe dava murros. O Tiago tentava defender-se batendo-lhe, mas o Henrique é muito mais alto e forte do que ele, esta luta é desigual.
- Henrique para! - gritei eu. As minha pernas tremiam perdidamente, as lágrimas escorriam pelos meus olhos como a água pela nascente do rio, não posso acreditar no que vejo, não sabia que ele era tão violento. - Para Henrique, para por favor! Não lhe batas mais, imploro-te!
- Porquê Alice, porquê que o defendes!? É dele que tu gostas, não é? Sempre foi! - as suas mãos estavam cobertas de sangue, a carpete que outrora era branca estava agora com manchas encarnadas. O rosto do Tiago está praticamente irreconhecível, enquanto o Henrique só tem o lábio a sangrar. Não faço ideia do que lhe devo responder, se lhe devo dizer a verdade, que não, não gosto do Tiago, apenas dele, do meu Henrique, ou se lhe minto para o bem da minha família e concordo com o que ele disse.
- Então Alice, não respondes agora!? - gritava ele.
- É, é verdade, tens razão!
- Anh!? Como assim Alice!? - perguntou ele largando finalmente os colarinhos do Tiago e virando-se para mim.
- É verdade que eu gosto dele, que eu sempre gostei! Contigo foi tudo uma farsa, era tudo fachada, apenas queria fazer novos amigos e pensei que fosse mais fácil se tivesse um namorado conhecido como tu, um jogador de futebol é sempre bom para a imagem de rapariga nova!
- Não, isso não é verdade! Não pode ser, tu estás a mentir eu sei que estás...
- Não estou nada Henrique, não sabia que ias descobrir tão rápido, mas esta é a verdade.
Consegui acabar a frase sem deitar uma única lágrima, mas a minha garganta não aguenta mais. Pedi ao Tiago para vir comigo até minha casa para conversarmos e deixei o Henrique sentado no chão do seu quarto imóvel. As lágrimas desciam pelo seu rosto, as suas mãos agarravam o seu cabelo como se o quisesse arrancar. Não quero vê-lo assim, preferi vir-me embora, é o melhor a fazer. Desta maneira ele não vai querer ver-me mais.
Não quero falar com o meu amigo, não quero falar com ninguém, simplesmente achei melhor tirá-lo de lá para que o Henrique não lhe batesse mais.
Entramos e por grande azar o meu pai estava na sala, era impossível passarmos sem sermos vistos.
- Alice, filha o que é que o Tiago está cá a fazer? Tiago o que te aconteceu!?
- Foi o ... - ia iniciando ele.
- O Tiago meteu-se em problemas com o rapaz do uber, o rapaz queria mais dinheiro do que o que estava programado, então, como o Tiago não lhe deu, ele bateu-lhe. - respondi eu. Tinha de inventar alguma coisa, não queria dizer que foi o Henrique que lhe bateu, não quero mais confusões. - Pai, podes tratar do Tiago, eu preciso de tomar um banho e descansar, se não te importares ele fica a dormir cá hoje, pode ficar aqui na sala!
- Claro filha! Se quiseres até podes ficar no meu quarto, hoje vou fazer o turno da noite novamente, janto com vocês e volto logo para o hospital.
- Okay pai, obrigada!
Nem esperei que o meu pai dissesse mais alguma coisa, virei costas e segui em direção ao meu quarto. Infelizmente as tintas e as telas estão no terraço, mas não vou lá agora, não posso deixar que ele me veja.
Tranquei-me no meu quarto, ouvi a porta da Inês abrir e os seus paços descerem as escadas, nem quero ver como será a sua reação quando vir o Tiago naquele estado.
Deitei-me na cama depois de colocar o vinil da Lana a tocar no gira discos, a música "Blue Jeans" fez-se ouvir dentro das quarto paredes.
Não quero voltar a sair deste quarto, não quero ver mais ninguém!